A visita de António Guterres à Ucrânia alimentou informações de que o acordo de Istambul mediado por ONU e Turquia abrisse caminho, mais que à exportação de cereais ucranianos, a um cessar-fogo, mas tal mantém-se uma miragem.
A própria agência oficial russa TASS, citando uma televisão turca, noticiou antes do encontro trilateral desta tarde em Lviv, no oeste da Ucrânia, entre o secretário-geral da ONU e os presidentes turco e iraniano, que hoje mesmo poderia ser proposto um cessar-fogo em território ucraniano, quando se cumprem quase seis meses desde que as tropas de Vladimir Putin irromperam pelo país.
No final do encontro trilateral, o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, salientou a importância da recente iniciativa diplomática que permitiu a retoma da exportação de cereais ucranianos e fertilizantes russos, não apenas impedir um desastre em países dependentes de importações de bens alimentares destes dois grandes produtores mundiais, mas também enquanto instrumento para fazer avançar um processo de paz.
Erdogan disse que avaliou com Guterres e com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, "possibilidades de transformar numa paz permanente a atmosfera positiva criada pelo consenso de Istambul".
"Pessoalmente, mantenho a minha convicção de que a guerra acabará por terminar à mesa das negociações", afirmou Erdogan, referindo que Zelensky e Guterres "estão de acordo sobre este ponto".
Mas Zelensky foi terminante ao abordar a questão, excluindo qualquer negociação de paz com Moscovo sem a retirada prévia das tropas russas do território da Ucrânia.
"Pessoas que matam, violam, atacam as nossas cidades civis com mísseis de cruzeiro todos os dias não podem querer a paz. Deveriam primeiro abandonar o nosso território, e então veremos", declarou Zelensky numa conferência de imprensa em Lviv, sublinhando "não confiar na Rússia".
Apesar do saldo positivo do acordo de Istambul - o Ministério da Defesa turco anunciou hoje que o acordo permitiu que 622.000 toneladas de cereais chegassem aos mercados mundiais e as diferentes partes estão de acordo no interesse da sua extensão e alargamento - o mesmo é um indicador da distância a que estão hoje as partes, que no início do conflito chegaram a negociar um cessar-fogo, sem sucesso, na Bielorrúsia.
Resultado de um esforço diplomático intenso de vários meses em que o secretário-geral da ONU se empenhou pessoalmente, até comparecer presencialmente em Istambul para a assinatura, Kiev e Moscovo não são co-signatários do acordo, mas signatários de acordos separados com ONU e Turquia, criando dois centros separados de controlo do mecanismo de exportação.
Guterres, que iniciou em Lviv um périplo pela Ucrânia que termina na sexta-feira em Odessa (sul), focou a sua intervenção em questões mais prementes - evitar um desastre nuclear na central nuclear de Zaporijia, em território ucraniano, mas sob controlo russo, palco de confrontos entre as duas partes, e lançar as bases para uma investigação à morte de dezenas de militares ucranianos retirados da fábrica Azovstal (em Mariupol) após a conquista russa e que estavam num centro de detenção russo em Olenivka (Donetsk, leste).
Mas em Nova Iorque, o porta-voz Farhan Haq foi questionado sobre a ventilada possibilidade de um cessar-fogo, deitando 'água na fervura'.
"Existem diferentes iniciativas [do secretário-geral], mas ainda estamos longe do momento em que podemos falar sobre os esforços para acabar com os combates em geral", disse Haq.
Guterres voltou a afirmar que a invasão russa é uma violação da integridade territorial da Ucrânia e da Carta das Nações Unidas, que resultou em inúmeras mortes, destruição e deslocamento em massa e violações dramáticas dos direitos humanos.
Depois de Lviv (oeste), Guterres seguirá para Odessa (sul), cujo porto está a ser utilizado para a exportação de cereais ucranianos através do acordo impulsionado pela própria ONU e pela Turquia.
No sábado, o chefe das Nações Unidas viajará para Istambul, na Turquia, para visitar o Centro de Coordenação Conjunta que fiscaliza o cumprimento desse pacto. (RM /NMinuto)
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