A segunda edição da cimeira Rússia/África, que começa hoje em São Petersburgo, vai decorrer num ambiente geopolítico completamente diferente do que rodeou a primeira, em 2019, com os efeitos da invasão russa da Ucrânia a marcarem o evento.
A invasão russa marca os trabalhos de dois dias com chefes de Estado, de governo, ministros ou diplomatas, de 49 dos 55 Estados membros da União Africana, segundo Alexander Polyakov, vice-diretor do departamento de África do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo.
Entre os ausentes está Cabo Verde, cujo primeiro-ministro justificou a ausência do país para não ter nenhuma acção que possa ser interpretada como apoio à invasão da Rússia à Ucrânia.
"Cabo Verde não vai participar", afirmou Ulisses Correia e Silva, acrescentando que o país tem sido coerente nessa questão, e considerou que a não participação na cimeira não terá implicações, uma vez que o país faz as suas escolhas e já fez a sua opção neste contexto de guerra.
A cimeira tem confirmada a presença apenas de dois Chefes de Estado lusófonos (Moçambique e Guiné-Bissau).
De acordo com a recolha feita pela agência Lusa junto dos países lusófonos, a Guiné-Bissau e Moçambique estarão representados ao mais alto nível, com os Presidentes Umaro Sissoco Embaló e Filipe Nyusi, respectivamente, enquanto Angola enviou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Téte António, e São Tomé e Príncipe estará representado pelo embaixador em Lisboa, que está também acreditado em Moscovo.
A Guiné Equatorial, que também pertence à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, será representada pelo vice-presidente, Teodoro Obiang Nguema Mangue.
O evento deverá ser marcado também pela questão do acesso aos cereais russos e ucranianos (cujas vendas a África foram dificultadas ou mesmo suspensas devido à guerra), a presença do grupo paramilitar Wagner em vários países africanos, e a venda de armamento.
Na semana passada, o Presidente da Guiné-Bissau afirmou que a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) está preocupada com a presença de mercenários do grupo russo Wagner na região, nomeadamente no Mali.
O Presidente russo receberá no decorrer dos trabalhos os representantes dos 49 países africanos, incluindo 17 chefes de Estado, depois de anteriormente criticar o que classificou de "pressões sem precedentes" por parte dos Estados Unidos e da França para os países africanos não participarem na cimeira.
Para Moscovo, a cimeira sinaliza que não está isolada internacionalmente.
Na página do Kremlin na Internet, Putin escreveu que "hoje, a parceria construtiva, confiante e voltada para o futuro entre a Rússia e a África é particularmente significativa e importante".
Espera-se que a Rússia e os países africanos assinem um "plano de acção até 2026" e uma série de documentos bilaterais, como anunciou o Kremlin, tentando que a relação vá além dos acordos na área da defesa e da venda de armas, que resumem, na maioria dos casos, até hoje, a relação de Moscovo com África.
Contudo, para Moscovo o mais importante, segundo analistas internacionais ouvidos pela Lusa, é mostrar um entendimento com os Estados africanos, apesar do conflito na Ucrânia, que alguns condenaram nas Nações Unidas.
O porta-voz da Presidência russa, Dmitri Peskov, anunciou na terça-feira que Putin vai apresentar a proposta para garantir o abastecimento de cereais e fertilizantes ao mercado mundial e aos países africanos que mais os precisam.
O tema quente desta segunda cimeira será este, depois do abandono por Moscovo de um acordo crucial que permitia à Ucrânia, desde o verão de 2022, exportar, incluindo para África, os seus cereais através do mar Negro, apesar do bloqueio russo aos portos.
Num ano, esse acordo permitiu retirar quase 33 milhões de toneladas de cereais dos portos ucranianos, ajudando a estabilizar os preços mundiais dos alimentos e evitar o risco de escassez.
Os Estados africanos deverão também tentar dar força à sua tentativa de encontrar uma solução para a guerra na Ucrânia, depois da proposta apresentada por sete países, liderados pela África do Sul.
O continente africano olha para a cimeira de São Petersburgo com a expectativa de perceber se a Rússia mantém o mesmo poder económico que tinha em 2019. (RM-NM)
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