Ao fim de mais de três semanas de bombardeamentos israelitas em Gaza na guerra contra o movimento Hamas, a situação das crianças no enclave é considerada crítica por autoridades e ONG contactadas pela Lusa.
Medhat Abbas, porta-voz do Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, alerta em declarações à Lusa a partir de Gaza que o hospital Al Shifa, um dos maiores do enclave, está a "chegar ao fim da linha", sem combustível essencial ao seu funcionamento.
"Se não acontecer um milagre, o desastre que é o desligar dos geradores do Hospital Al Shifa vai acontecer na quarta-feira", diz Abbas à Lusa. "Neste hospital estão 130 bebés prematuros, portanto é um desastre humanitário à espera de acontecer", afirma o responsável, antigo director do Al Shifa.
Segundo o exército israelita, este hospital é um dos pontos nevrálgicos da extensa rede de túneis que o Hamas construiu ao longo dos últimos anos no subsolo de Gaza, e que utiliza para realizar ataques diários de mísseis contra Israel.
Na terça-feira, os bombardeamentos israelitas atingiram o campo de refugiados de Jabaliya, perto da cidade de Gaza. Segundo o exército israelita, o ataque tinha como alvo um líder militar do Hamas, Ibrahim Biari, Comandante do Batalhão Central de Jabaliya. Para Abbas, o número de vítimas deste ataque "poderá ser o maior de sempre".
As imagens do rescaldo do ataque mostram um quarteirão inteiro transformado em ruínas, no lugar de prédios de vários andares vêm-se profundas crateras, à volta das quais circulam dezenas de Palestinianos que tentam salvar quem ficou preso por baixo dos escombros.
Segundo a contabilidade do ministério controlado pelo Hamas, as crianças de Gaza têm sido as principais vítimas dos bombardeamentos israelitas. Desde o início dos ataques 8.525 pessoas morreram. Entre as faixas etárias as crianças dos 0 aos 18 anos constituem o maior número de vítimas: 3,542. Mais de seis mil ficaram feridas.
Estes números têm sido postos em causa por Israel e Estados Unidos, que os consideram empolados para fins propagandísticos do Hamas.
O grupo islamita do Hamas lançou em 07 de Outubro um ataque surpresa contra o sul de Israel com o lançamento de milhares de foguetes e a incursão de milicianos armados, fazendo duas centenas de reféns.
Em resposta, Israel declarou guerra ao Hamas, movimento que controla a Faixa de Gaza desde 2007 e que é classificado como terrorista pela União Europeia e Estados Unidos, bombardeando várias infra-estruturas do grupo na Faixa de Gaza e impôs um cerco total ao território com corte de abastecimento de água, combustível e electricidade.
O terminal de Rafah, no sul de Gaza e a única passagem para o Egito, vai permitir que a ajuda humanitária chegue ao território palestiniano.
A organização não-governamental de defesa dos direitos das crianças, Save the Children, disse à Lusa que o número de crianças mortas nas últimas três semanas é maior que o número total de crianças mortas em conflitos no mundo inteiro desde os últimos três anos.
"Isto é verdadeiramente uma guerra contra as crianças. O número de crianças mortas é simplesmente atroz", diz à Lusa Alexandra Saieh, directora para advocacia e políticas humanitárias da "Save the Children".
Saieh estima que o número de vítimas deverá aumentar nos próximos dias, dada a falta de cuidados de saúde disponíveis para as crianças feridas e dificuldades nas operações de resgate.
"Temos visto a protecção civil a tentar tirar as crianças dos escombros com as suas próprias mãos, portanto pensamos que os números actuais são de facto maiores do que o estimado número de mortes infantis", diz.
Na terça-feira o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), disse que "Gaza transformou-se num cemitério para milhares de crianças."
"É o inferno na terra para todos os outros", disse o porta-voz da UNICEF, James Elder, em comunicado.
A UNICEF avisou que mais de um milhão de crianças estão também a passar fome e sede - com a capacidade de produção de água em Gaza reduzida a 5% do normal diário.
"A morte de crianças - particularmente bebés - por desidratação é uma ameaça crescente", disse Elder.
As Nações Unidas têm apelado a um cessar-fogo imediato, e têm pedido a Israel que permita a entrada "segura e contínua (...) de ajuda humanitária, incluindo água, comida, produtos médicos e combustível".
A Save the Children faz parte de 650 ONG's internacionais que lançaram uma petição na terça-feira a apelar para um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza na tentativa de prevenir uma "catástrofe humanitária e a contínua perda de vidas inocentes".
O Ministério da Saúde em Gaza descreve os seus serviços à beira de um colapso total, devido à falta de produtos médicos e de combustível para os geradores: faltam antibióticos, todos os sete serviços de cuidados intensivos neonatais em Gaza têm falta de medicamentos vitais, incluindo para a respiração dos bebés, e um corte de electricidade "ameaça a vida de bebés recém-nascidos que estão dependentes de ventiladores".
"Em 12 anos a trabalhar no sector humanitário, eu nunca vi nada assim, para ser honesta. O número de crianças mortas em tão curto espaço de tempo e o bloqueio propositado de ajuda humanitária... é muito difícil de assistir a isto", diz Saieh.
Na terça-feira, as Nações Unidas deixaram também o aviso dos impactos psicológicos da guerra nas crianças de Gaza, entre as quais, já antes do conflito, três quartos dos menores na região já precisavam de apoio psicológico.
Entre os principais sintomas nas crianças de Gaza está o stress pós-traumático, manifestado em pesadelos e ansiedade, e até suicídio.
"Na pesquisa que fazemos percebemos que as crianças simplesmente não têm esperança nem a capacidade de sonhar", diz Saieh. "Uma criança de dez anos em Gaza já viveu pelo menos três guerras, e a sua vida toda tem sido sob um bloqueio. Isto são coisas que ficam com as crianças".
Saieh diz que a recuperação mental é ainda mais dificultada pelo ciclo de violência recorrente em Gaza: "o mais triste é que esta violência acontece uma e outra vez, não pára". "É difícil para estas crianças imaginaram um futuro diferente". (RM-NM)
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