O professor de Astronomia Paulo Afonso apresentou para revisão científica um estudo que contraria a teoria de que João Rodrigues Cabrilho, o primeiro europeu a chegar à Califórnia em 1542, teria nascido em Espanha em vez de Portugal.
Apresentando vários documentos, o professor defende que Cabrilho terá nascido em Portugal e depois naturalizou-se espanhol para poder trabalhar para a coroa espanhola. "Essa, a meu ver, é a hipótese mais provável", disse à Lusa Paulo Afonso, radicado em Sacramento, Califórnia.
Cabrilho, uma referência histórica da comunidade em San Diego, foi considerado português até novas pesquisas da investigadora Wendy Kramer em 2015 terem concluído que era espanhol, por haver documentos onde é descrito como natural de Palma del Río, na Andaluzia.
"Não há um documento que diga que o Cabrilho nasceu em Espanha", afirmou Paulo Afonso. "Não está provado em lado nenhum que Cabrilho nasceu em Palma del Río".
O professor está a investigar o caso há mais de dois anos e reuniu dezenas de documentos primários e relacionados que contrariam a teoria. A confusão, defende, deve-se à diferença entre "natural" e "nascido".
"Eu compreendo, numa análise simplista e primária, que a pessoa leia natural e pense que é nascido, e frequentemente esse é o caso. Mas no caso particular de Cabrilho há outros dados", indicou Afonso.
"Naquela altura, no século XV e XVI, sabia-se que natural e nascido eram coisas com significados jurídicos diferentes", explicou. Alguém podia ser nascido num país e natural de outro, no sentido da naturalização posterior.
O professor aponta para o facto de que António de Herrera y Tordesillas, cronista e historiador espanhol dos séculos XVI/XVII, escreveu que Cabrilho era português.
Esse facto foi considerado um erro na pesquisa que atribuiu origem espanhola a Cabrilho. "Ou seja, para ajustar o modelo simplista ignoram um dado fundamental", criticou Paulo Afonso.
Na argumentação, o professor inclui exemplos de pessoas que se descreviam como sendo naturais de um lado e com origem noutro.
"Tamara Herzog, jurista de Harvard, tem dois livros publicados, um deles traduzido em castelhano, que se chama 'Como se tornar espanhol' e exemplifica centenas de casos de pessoas que se naturalizaram", indicou o professor.
Um caso paradigmático, disse, é o do navegador e geógrafo nascido em Florença (actual Itália) Américo Vespúcio. "Ele tem uma carta de naturalização da rainha a dizer 'daqui para a frente serás considerado natural dos meus reinos como se fosses nascido aqui'.
Afonso disse que era razoável esperar que muitos pilotos e capitães das frotas espanholas fossem estrangeiros -- caso da frota de Cabrilho -- porque "os espanhóis tinham conquistadores a mais e gente especializada a menos". Essa escassez reflecte-se na carta de Hernán Cortés ao Conselho das Índias em 1538 a pedir ajuda, porque tinha nove navios parados por falta de pilotos.
"No caso de Castela, era obrigatório naturalizarem-se para irem para a América espanhola, senão não iam", referiu. "Sendo isto conhecido, como é que insistem que o Cabrilho só pode ser espanhol?"
O professor encontrou referências a um "Juan Rodríguez português" e a um "Alvar Nuñez português" em documentos de vice-reinos da Nova Espanha, como a Nicarágua.
Há diferentes versões dos nomes nos documentos, sendo que o contexto e o cruzamento de referências levam Paulo Afonso a considerar que é possível tratar-se dos navegadores João Rodrigues Cabrilho e Alvar Nunes. Uma das referências é do filho de Cabrilho, que escreveu que o pai foi um dos primeiros povoadores da Nicarágua.
O trabalho do professor foi submetido para revisão científica junto de uma publicação académica norte-americana, editada por profissionais especialistas em estudos históricos portugueses e espanhóis. Paulo Afonso tem a expectativa de que seja revisto e publicado ainda em 2023, sublinhando a sua importância.
"A História é feita de documentos primários, não é feita de interpretações simplistas como a que está a decorrer agora".
Há ainda um elemento adicional para suportar a argumentação. Trata-se dos resultados de uma medição de carbono-14 feita às aparas de madeira de um crucifixo, que está na posse de uma família portuguesa em Lapela de Cabril há várias gerações.
Lapela é a aldeia onde terá nascido João Rodrigues Cabrilho em 1499 e a história passada de geração para geração é de que o crucifixo foi entregue à família pelo navegador. O professor Paulo Afonso deslocou-se à casa da família e enviou as aparas para teste num laboratório irlandês.
Os resultados apontam para que a madeira seja de 1530, sendo que Cabrilho voltou a Espanha em 1531. A teoria é de que terá ido a Portugal visitar a família nessa altura, antes de regressar às Américas.
"A ser uma coincidência, é extraordinária", considerou Paulo Afonso. (RM-NM)
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