Moçambique enfrenta desafios para prevenção e tratamento da fístula obstétrica

Publicado: 22/05/2024, 19:01

O director-geral da Focus Fístula Moçambique, o cirurgião, Igor Vaz, disse em Nampula, que Moçambique ainda enfrenta vários desafios para a prevenção e tratamento da fístula obstétrica.

Igor Vaz falava esta quarta-feira, por ocasião da celebração, este quinta-feira, do “Dia Internacional para Acabar com a Fístula Obstétrica” que, este ano, tem como lema “Quebrando o Ciclo: prevenindo a Fístula em todo o mundo”,

Segundo o especialista, o mundo está a registar progressos significativos no tratamento da doença, mas em Moçambique ainda continua a haver muitos novos casos da doença.

“É possível prevenir a fístula. Nos países desenvolvidos, por exemplo, já não há fístulas obstétricas. Porque todas as mulheres que ficam grávidas vão a consulta pré-natal onde a enfermeira de Saúde Materno Infantil (SMI) faz o diagnóstico para ver se há ou não risco obstétrico. As mulheres grávidas e com alto risco obstétrico devem dar entrada nas unidades sanitárias quando começam a sentir dores, não quando já passaram 24, 48 ou 72 horas depois de iniciar o trabalho de parto”

Para Igor Vaz a existência de muitos casos de fístula em Moçambique deve-se a uma combinação de factores ligados ao acesso do serviço de saúde.

“A falta de acesso à unidade sanitária pode ser vista em diferentes perspectivas. Podemos falar de falta de acesso quando uma sogra não deixa a sua nora ir à unidade sanitária para dar parto. Quando uma mulher grávida tem de pedir autorização à família para ir ao hospital, este é outro problema. Quando as pessoas vivem a mais de 100 km de uma unidade sanitária. Quando na aldeia ou comunidade não tem transporte. Tudo isso não tem a ver com o Ministério da Saúde, tem a ver com estradas, transporte, educação”, aponta o médico, acrescentado que “o Ministério da Educação tem de ter escolas e ensinar as mulheres como prevenir a gravidez”.

Mais adiante, o médico aponta para a necessidade de se abrir mais unidades sanitárias para fazer face ao crescimento populacional que desde a independência nacional passou de cerca de 10 milhões para mais de 30 milhões de habitantes.

“Mas depois temos a parte da saúde, que é responsabilidade do Ministério da Saúde. Aí podemos ver a questão da abertura de mais centros de saúde. A população de Moçambique está a crescer de uma forma exponencial. Nós na independência tínhamos 10 milhões de habitantes, mas hoje temos 32 milhões. Mas o número de médicos e o número de enfermeiros de saúde materna não aumentou consideravelmente. Nós ainda não temos capacidade de ter médicos especialistas em todas as províncias. Portanto, isto também é falta de acesso às unidades sanitárias, e as que existem ainda não têm qualidade desejável”.

O médico cirurgião do Hospital Central de Nampula, Bernardo Leite apontou para a mesma direcção, tendo lamentado a falta de médicos especialistas na maior unidade sanitária da zona norte do País.

“Houve um estudo independente em 2013 que fez avaliação de quantos médicos especialistas são necessários para o Hospital Central de Nampula. Em cirurgia geral, por exemplo, o estudo indicou que eram necessários 14 especialistas. Mas neste momento somos apenas 6 cirurgiões. Este estudo independente deixou connosco esta informação e talvez daqui a 20 anos podemos chegar a este número de 14”, disse.

O médico explicou ainda que no geral a província de Nampula está aquém da capacidade para responder à demanda em termos de cirurgias. “Em Nampula temos 23 distritos e destes apenas 7 têm capacidade cirúrgica. Como vê estamos muito longe do desejável”.

“Nós temos mulheres de todo o tipo de idade, desde meninas de 14 ou 15 anos que ficam grávidas e tem partos complicados e até mulheres de 60 ou 70 anos. Estas mulheres de 60 a 70 anos são aquelas que têm mais de 20 ou 30 anos que nunca vieram para uma unidade sanitária”.

Para este ano, o MISAU definiu que as cerimónias centrais alusivas ao “Dia Internacional para Acabar com a Fístula Obstétrica”, as cerimónias centrais vão decorrer no distrito de Ribaué, na província de Nampula. E no Hospital Central de Nampula estão a ser tratadas doentes de fístula provenientes de diferentes distritos da província.

Uma das pacientes que aguarda o tratamento é Juliana J., 24 anos. Contraiu fístula porque o bebé nasceu acima do peso, mas a enfermeira que fez o parto não sabia suturar o que complicou a vida da Juliana.

“Eu estava grávida e fui a todas as consultas pré-natal. Chegado o dia do parto o bebé nasceu grande. Durante o parto tiveram de me cortar para o bebe sair. Depois de me cortar, a enfermeira teve de me suturar. Mas quando suturava dizia que ’não sei fazer isso, mas vou fazer assim mesmo’. Ela fez e duas semanas depois vi que não estava bem. Voltei para o hospital e o médico me observou e viu que de facto não estava bem. Em agosto ou setembro de 2022 fui submetida a segunda cirurgia, mas não deu certo. Em novembro do mesmo ano fiz a terceira cirurgia, mas de novo não deu certo. A família disse para eu descansar um pouco. E agora vim para ver se consigo ser tratada”.

Por conta da doença, Juliana diz que vive um drama. “Perco fezes pela vagina. Não consigo controlar. Principalmente quando é diarreia ou quando as fezes são leves. Os meus dias são difíceis. É desconfortável viver com esta situação. Sempre que vou para casa de banho tenho de introduzir os dedos na vagina e tentar limpar. Por vezes não como para evitar gases”.

O dia para acabar com a fístula foi proposto pela União Africana e aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU), como forma de promover o compromisso dos Estados com a eliminação da condição, destacar as principais causas da doença e refletir sobre os progressos visando a sua eliminação.

Estima-se que em Moçambique 2.300 mulheres e meninas contraem fístula anualmente, contudo projecções mais recentes indicam que os números reais podem rondar os 4,000 por ano.

A fístula obstétrica ocorre quando as mulheres não têm acesso a cuidados de saúde oportunos e de qualidade, sendo a discriminação de género e a marginalização social riscos adicionais que elevam a ocorrência da doença entre mulheres e meninas pobres, carentes e marginalizadas. (RM)

Tags: 

Últimas Notícias

Rádio Moçambique

Rua da Rádio N 2, P.O.Box 2000 | Rádio Moçambique, EP
Email: info@rm.co.mzFixo: +258 21 42 99 08Fax: +258 21 42 98 26
Subscreva agora

Bem-vindo ao nosso Centro de Subscrição de Newsletters Informativos. Subscreva no formulário abaixo para receber as últimas notícias e actualizações da Rádio Moçambique.

Newsletter Form (#3)
Instale a nossa App

crosschevron-down linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram