Cerca de 40.000 crianças, mais da metade delas estrangeiras, vivem em más condições nos campos de refugiados na Síria, incluindo o campo de Al-Hol, mas os seus países de origem recusam-se a repatriá-las, denunciou esta terça-feira a ONU.
A missão de investigação da ONU para a Síria fez este alerta hoje no seu mais recente relatório sobre os campos de refugiados no nordeste da Síria.
"Alguns países que se dizem democráticos se esqueceram o que está a acontecer em Al-Hol", declarou o presidente da missão tripartida, Paulo Pinheiro.
O responsável lembrou que cerca da metade dessas crianças são iraquianas e outras 7.800 são provenientes de mais de 60 outros países.
Embora cerca de mil crianças de Al-Hol e outros campos tenham conseguido retornar aos seus países, muitas permanecem "privadas de liberdade e do direito à educação, de terem cuidados de saúde adequados ou mesmo de brincar, sem serem acusadas por alguém de qualquer crime", indicou o relatório da missão da ONU.
Hanny Megally, também membro da comissão que desde 2011 documenta crimes de guerra e crimes contra a humanidade na Síria, explicou que muitas dessas crianças vivem com as suas mães nos campos e que alguns países dão a desculpa de não quererem separar essas famílias.
"Mães e filhos devem voltar para casa", disse Megally, destacando que os debates para que os Estados cuidem desses refugiados já duram há mais de 30 meses.
Al-Hol e outros campos de refugiados ao longo da fronteira com o Iraque são controlados pelas Forças Democráticas da Síria, ligadas ao governo autónomo curdo, que se opõe a Damasco, e os seus refugiados são principalmente pessoas deslocadas de áreas antes controladas pelo grupo extremista Estado Islâmico (EI).
"Punir os filhos pelos pecados dos pais é injustificável", sublinhou Paulo Pinheiro, insistindo que essas crianças, muitas delas menores de 12 anos, devem ser protegidas de acordo com as leis humanitárias e de direitos humanos.
O relatório apresentado pela missão, o vigésimo quarto preparado após mais de uma década de guerra civil na Síria, indica que, apesar da recente redução de bombardeamentos e ataques de artilharia, os crimes de guerra e contra a humanidade continuam a ser cometidos por todas as partes.
"A guerra na Síria continua e permanece difícil para os sírios encontrarem um lugar seguro no país", resumiu Pinheiro.
Megally acrescentou que a vitória de Bashar al-Assad nas eleições presidenciais de Maio, após as quais o chefe de Estado iniciou o seu quarto mandato, não foi acompanhada por uma redução esperada na repressão do regime aos oponentes.
"Continuam a repetir-se os casos de detenções arbitrárias em condições de incomunicabilidade por parte das forças governamentais e houve tortura, violência sexual, mortes sob custódia e desaparecimentos entre os detidos", denunciou o relatório.
Os autores do documento lamentam particularmente o regresso de uma táctica mais típica das guerras medievais, os cercos, nos últimos meses, em que as forças governamentais isolaram cidades como Deraa al-Balad, um dos lugares onde começou a insurgência contra Al-Assad em 2011.
"Dezenas de milhares de pessoas estão presas sem acesso a alimentos ou cuidados de saúde, forçando milhares delas a fugir", sublinhou o relatório.
"É muito triste que no século XXI volte uma prática como esta", disse Pinheiro, após afirmar que o conflito se torna cada vez mais "uma guerra contra a população civil" num país não só destruído pelo conflito, mas também devido à crise de saúde e à pandemia da covid-19.
O relatório também denunciou violações de direitos humanos em áreas ainda controladas por grupos islâmicos como Hayat Tahrir al-Sham (a antiga Frente Al-Nusra), onde "restrições à aos meios de comunicação e à liberdade de expressão continuam a ser impostas, incluindo a detenção de jornalistas e activistas". (RM-NM)
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